domingo, 3 de maio de 2015

Salvador, 12 de novembro de 1952.



Querido Pai,


Hoje, completo quatorze anos de idade, e embora eu tenha nascido em Cachoeira, o senhor me registrou com o equívoco do mês, no Cartório de Feira de Santana, declarando em meu nascimento o mês de dezembro que é o mês de nascimento do mano Edinho, pequena confusão sem muita importância. Não recebi nenhum presente, o que não estranho porque não se cultivou este hábito em nossa família, embora eu ache importante. Sei que este comportamento vem de seus pais, pelos seus costumes agrestes de quem vive no meio rural a labutar com a terra e com os animais. Sei também da sua labuta de homem responsável e honesto tentando sobreviver nesta selva de humanos que se digladiam no afã de possuírem cada vez mais bens de consumo e riquezas, nesta disputa desleal onde vencem os mais espertos que trapaceiam divorciados dos princípios morais. Para quem não tem uma profissão definida, com formação universitária e é desprovido dos artifícios da atividade mercantil, é deveras difícil. Desta vez o Diretor do Colégio permitiu a minha saída para a missa na Igreja da Piedade e após o ato religioso, vou de bonde para o Porto da Barra, tomar um banho de mar. Tenho alguns trocados ainda daqueles cinco mil reis que o senhor me mandou. Não dá para um almoço, mas não tem importância, comerei um belo de um sanduíche acompanhado de um “copão” de vitamina de banana com Neston e Nescau, depois, comerei alguns pães e mato a fome. Vou tentando levar a vida como ela é ou como se apresenta e por certo sairei daqui com alguma experiência para enfrentar as intempéries futuras. Não se preocupe. Espero nas férias poder estar com a família em Itapoan, afinal, dos seus filhos, nós, do primeiro casamento seu, ficamos separados: – Landa em Salvador com as Bandeirantes, Edinho em Lustosa interno e eu aqui na Capital também interno por vontade da madrasta, no Colégio Ipiranga. Que seja assim. O futuro, com sua sabedoria nos reservará destino melhor, tenho certeza, porque somos bons.

PS.: Os cinqüenta cruzeiros que o senhor me mandou para o reforço escolar, aproveitei parte dele para dar inicio as aulas de Capoeira com Mestre Bimba e Jiu Jtisu com Valdeck Veloso, aluno de René Bastos, um dos maiores lutadores da Bahia, para defesa pessoal, vez que preciso evitar abusos de alguns colegas maiores, maus de comportamento. A economia que faço dá para tudo.

Peço-lhe a benção.

Do seu filho,
Milton.

Publicada em maio de 2011.

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