domingo, 26 de julho de 2009

NOSCE TE IPSUM

Diógenes, o grego, nascido no século IV antes de Cristo, saiu em seu tempo, nas suas andanças com uma lanterna acesa em plena luz do dia e perguntaram-lhe a razão daquela atitude e ele respondeu, - procuro um homem honesto! Assim seguiu, e foi primeiro à casa de um artesão que esculpia um busto em granito, de grande beleza, reprodução de um nobre Senador, e, reconhecendo o personagem, questionou sobre a perfeição dos traços fisionômicos, que não reproduzia as feições do homenageado com fidelidade. Perguntou-lhe Diógenes: – por que dás beleza física a quem não tem? Por que não retratas com fidelidade? E o Artesão respondeu: - se não faço do feio o belo, corro o risco de ser açoitado, de não ser recompensado pelo meu trabalho e não sobrevivo. Prosseguindo, o filósofo foi à casa de um Armeiro, questionando sobre o seu ofício, este lhe informou: - trabalho para armar a Guarda do Império e o exército que conquista novas terras, expande o seu poder, escraviza outros homens para a força do trabalho. Pelo meu labor adquiro prestígio e dinheiro, mesmo sabendo que a minha arte traz tanto sofrimento para outros da minha espécie. Diante de situações vexatórias, foi Diógenes ao Conselheiro do Imperador, chamado Lucius, homem outrora pobre que se tornara rico graças aos encaminhamentos que fazia para o palácio, favorecendo os mercadores e o governante. Disse Diógenes – estás no Conselho há muitos anos e já serviste a vários governantes. Que fazes para permanecer durante tanto tempo neste cargo? Que conselhos ministras? E o magnânimo, volumoso Serviçal Nobre, respondeu: - Digo o que querem ouvir e não desagrado aos nobres! Favoreço-os com as vantagens do eterno lucrar, freqüento as Confrarias do império, sou por elas reconduzido, torno os Imperadores poderosos, embora alguns tenham fracassado nas suas missões, porque não receberam o beneplácito dos Senadores e dos Conselhos de Contas. Foi então que o filósofo visitou o Oráculo de Delfos e ao entrar, no portal havia uma inscrição – “NOSCE TE IPSUM” – Conhece-te a ti mesmo. Ao ler tão sábia frase, Diógenes saiu andando refletindo com a sua lanterna e já era noite, não encontrava explicações para os atos dos homens e se perguntava das razões do bajulador, dos néscios e dos cortejados que preferiam os elogios de parvos matreiros ao conselho dos Sábios. Absorto em seus pensamentos, não percebeu que seguia em direção ao abismo, precipitando-se das alturas, vindo a falecer, deixando para trás todas as suas dúvidas, cessando a sua busca inútil de encontrar em seu semelhante o honesto. Não pôde Diógenes prever que anos depois um Imperador poderoso pelas suas vitórias em guerras infindas, avisado por um cego que enxergava longe as atitudes dos homens, prevenindo-lhe sobre os perigos dos idos de março, sucumbiria pela traição e pela ambição desmedida dos que almejam o Poder a qualquer custo.

MORAL: QUEM NÃO CONHECE O CAMINHO POR ONDE ANDAR, NÃO SE PERCA PELOS ATALHOS TORTUOSOS QUE ABRIGAM RAPOSAS, LOBOS E GUARAS COM PELE DE CORDEIRO.

Feira, 30.11.2008.

domingo, 12 de julho de 2009

Cronicidade

Seu nome era Maria.Não era a mãe de Jesus, nem Madalena, aquela a quem se atribui ser a amante do messias. Era uma pessoa do povo, como tantas outras.Morava num lugar ermo, numa casa de chão batido, no meio do mundo, em terra absolutamente árida, onde em se plantando nada dá. Tinha apenas dois dentes frontais na boca seminua, preparada para o alimento composto de mingau e farinha seca, intercalado, e algumas vezes banana amassada. Feliz da vida, pois recebia uma cesta básica fornecida pelo governo federal, denominada “bolsa família”. Havia um Posto de Saúde há vinte quilômetros de sua localidade, que raramente aparecia um médico ou enfermeira, com visitas programadas para os dias de feira livre na sede do Distrito, em dia de sábado. Os dois dentes que sobraram na boca de Maria eram os únicos que não tinham cárie e por isto preservavam.Sofria de diabete, cálculo renal e pressão alta, além da arritmia que lhe acompanhava. Com tudo isto, era feliz, porque não lhe permitiram raciocinar como gente, ter instrução como civilizada. Era conveniente para os governantes, que se interessam por zumbis, que são mais fáceis de controlar para se manterem no poder “mamando nas tetas da mãe República. Na casa má acabada, terminara de colocar piso de cerâmica de terceira, doação de um candidato a Vereador. Uma antena parabólica ladeava a sua residência, até porque a Companhia de Energia Elétrica que patrocinara a campanha do Governador, ganhou a concorrência para a instalação do Programa “Luz para todos”. Ali focalizavam os canais de televisão com prioridade para a Rede que mantinha um acordo financeiro com o governo, controlada pelo truste estrangeiro que monopoliza a economia mundial, escraviza os alienígenas, tomando as suas riquezas e mantendo governantes segundo os seus interesses. Pois bem! Maria era feliz com os cachorros magros da sua terra inóspita, com os poucos dentes que lhe restaram, que não lhe faziam falta porque não tinha mesmo o que mastigar, ria, contava estórias, relatando que a sua sobrinha foi vítima de um marido alcoólatra que lhe desferiu um soco no olho esquerdo, partindo a sua sobrancelha que sangrava sem parar, sujando-lhe a veste, e, em outra ocasião fugindo do beberrão se escondeu embaixo da cama de uma tia e de lá foi arrastada como um pedaço de carne para ser batida como se amacia o bife que vai ser servido na casa do Barão. Maria contava e ria, achava graça de tudo.Semi-surda voltou Maria para a sua televisão, sentada no seu sofá coberto com um lençol já roto e desbotado. Ali era o seu mundo ao vivo e a cores.



MORAL:

MELHOR SE GOVERNA - O CEGO, QUE NÃO VÊ! - O SURDO, QUE NÃO OUVE! – O MUDO, QUE NÃO FALA.

Feira de Santana, 09 de novembro de 2007. – Em uma manhã de inspiração.


AUTOR – MILTON PEREIRA DE BRITTO.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Eu Não Existo Sem Você

"Eu Não Existo Sem Você" é uma composição de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Gravei essa música primeiramente na coletânea "Gelivar Sampaio entre Amigos" lançada em 2006, posteriormente incluí a gravação no cd "Milton Brito - Cantiga de Quem Está Só" lançado no mesmo ano.






Idealismo

Autor:Milton Britto
Livro:Versos Livres



Quisera eu
que tudo
brotasse
na terra
que outrora
não foi
de ninguém.


Quisera
que a fonte
do pranto
secasse
a mágoa
acabasse
e existisse
só bem.

Quisera
que a vida
não fosse
perdida
com tanta fadiga
sem nada
render.
Quisera
que os homens
de idéias
formadas
pr'os campos
dos livros
chegassem
a viver.
Quisera
a irmandade
de todos
os povos
e os fogos
da guerra
não mais
acendessem.
Quisera
a verdade
na causa
que fosse,
no campo
que fosse,
os direitos
vencessem.
Quisera
a maldade
no canto
dantesco,
no inferno
grotesco,
na chama
da morte.
Quisera
o triunfo
de todas
as causas,
as causas
formadas
dos seres
mais cultos.
Quisera
o extermínio
de todos
sofismas
morressem
as cismas,
a fome
e seus vultos.
Quisera
os sibários
já fora
do mundo;
e fosse
infundo
que o ouro
convém.
Quisera
ver findo
o povo
que rindo
acaba
com o povo,
pra mais
viver bem.
Quisera
quem dera
o opróbio
e a guerra
na lama
escondidos,
na chama,
quem dera.
Rio de Janeiro, 1965