terça-feira, 27 de agosto de 2013

A PRAÇA




Reduto de prostitutas,
Vadios, cafetões,
Drogados e desocupados,
Encontra-se a Praça
Onde brinquei
Quando criança.

Ao centro
Canteiros abandonados
Para a instalação
De desorganizadas barracas
Que substituem
As quermesses do meu tempo.

Não mais os brinquedos.
Impera o vilipêndio de garrafas cheias
De variadas bebidas
Que levam homens e mulheres
Ao alcoolismo sem retorno.

As roseiras,
As margaridas,
Begônia
E malmequer,
Só na lembrança menina
De um tempo que passou.

Bancos são albergues
Para o sono
Dos desesperados
E para o coito ligeiro
Da besta-humana,
Talvez,
No seu último orgasmo.

Do Templo religioso de outrora,
Das orações,
Restam imagens esquecidas
Que os iconoclastas se encarregaram
De maldizer
Afastando a idolatria inocente
De uma herança de antanho.

Não mais as retretas,
As filarmônicas
E a alegria
Das marchas
E dos dobrados.

Não mais os maestros
Os músicos
E os instrumentos maviosos
De sonoridade
Quase divina
Que nos acalmava
E nos levava
À conquista da mulher amada.

As palmeiras
Inspiradoras
De tantos poetas
Já não servem de abrigo
Dos sabiás.
Uma - pelo abandono
E a outra pelo extermínio.
Atributos do Ser
Que por ali passará
Horizontalmente
Para a missa que não mais ouvirá.

Feira, 02.07.2013

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

CARTAS NÃO REMETIDAS - YOLE

Rio de Janeiro, 25/04/2013. Querida filha Yolanda, Escrevi para sua irmã e não poderia ficar silente com relação a você, neste momento em que revivo os melhores dias de minha vida, quando parti de Feira de Santana, para realizar sonhos de uma juventude passageira, que se foi há 52 anos. Sei que não encontrarei as pessoas e os momentos vividos, mas, diz o ditado popular que “recordar é viver duas vezes”, justificando a minha visita à cidade dos meus devaneios. A primeira coisa que fiz, após percorrer as vias que separam a Ilha de Governador, onde fica o Aeroporto Galeão, atualmente denominado “Tom Jobim”, em homenagem, bem merecida, ao grande músico e compositor, trazendo em minha memória a lembrança de Orestes Barbosa, que ali viveu e muito escreveu, foi desembarcar na Rua Ferreira Viana, precisamente, no Hotel Regina, onde fomos bem recebidos, eu e Eva. Subimos para o apartamento, tomamos um banho, trocamos de roupa e partimos para a primeira missão, - dar um passeio pelo quarteirão, passando pelo Palácio do Catete, Hotel Glória, de muitos bailes de carnaval, que fica na Rua Silveira Martins, seguindo pela Praia do Flamengo, Edifício Martinez, com sua estrutura de pedras rústicas, retornando para a Rua onde morei por seis anos, de onde me ausentei por 43 anos. Poucas mudanças, percebi, havendo de novo, a Estação do Metrô, na Rua do Catete. Paramos em frente ao Edifício de nº 56, que me abrigou por longo período e que, dali parti, para caminhar sonhos e realidades. O prédio continua com a mesma estrutura, a mesma cor, acrescentando-se, apenas, grades de ferro, pela necessidade que a sociedade moderna, desorganizada e marginalizada, impôs a todos nós, que vivemos enjaulados, enquanto os bandidos circulam soltos para assaltarem a população produtiva e honesta. Vi na fachada do Edifício um anúncio em um apartamento – “Aluga-se, para temporada” e propus a Eva um retorno breve, alugando o imóvel, para podermos percorrer a Cidade de Encantos Mil, com mais vagar e paciência, mesmo porque é merecido. Soube que o prédio onde abrigou por muitos anos a UNE, sede da União Nacional dos Estudantes, de onde saímos para muitas passeatas no tempo da ditadura militar de 64, será retomado, não se definindo o destino. Lembrei-me que bem próximo, residiu Carlos Lacerda, um dos maiores autodidatas que conheci tradutor de Shakespeare, tribuno dos melhores, socialista que se transmudou para o capitalismo voraz, jornalista, artífice do suicídio de Getúlio Vargas, mentor do golpe que derrubou o governo democrático de João Goulart, na esperança de assumir o Governo da República, que os militares não permitiram e, segundo alguns historiadores, foi assassinado, após se articular com Juscelino e Jango, em Portugal, uma retomada de poder, no Brasil, destino que foi reservado para os outros dois, dizem, pela CIA. É preciso visitar o Rio e reviver sua história, que reflete o nosso país de ontem e de hoje. Meus vinte anos foram-se, como vão as realizações consumadas ou não. A formosura, a energia e os passos ligeiros, já não existem, mas, ainda há força para caminhar estradas por onde passei, e vou andar, até as pernas não mais permitirem, e, a mente, já cansada, faça silencio. A Rua é calma, poucos são os passantes, dando um ar de paz, que dá vontade de ficar, e ficaria não fosse o grande amor, que tenho pela minha família e pelo pouco que construímos nesta terra de Lucas, que felizmente, abriga muitas pessoas dignas e que nos dá esperança de dias melhores, embora nos deixe céticos algumas vezes. Ainda acredito, quando vejo em você tanta tenacidade, tanta inteligência e vontade de vencer. Sei que meu destino é cantar – “Foi um Rio/ Que passou em minha vida/ E meu coração se deixou levar!”. (Paulinho da Viola). Despeço-me, recomendando que assista no You tube “A Valsa de uma Cidade”, apreciando a poesia de Antonio Maria e a música de Ismael Neto. No mais, mando-lhe fotos em frente ao prédio da Ferreira Viana, nº 56, e um beijo, extensivo a todos, aí de casa. Seu pai, Milton.