quinta-feira, 9 de abril de 2015

CARTAS NÃO REMETIDAS


Detre os diversos livros em composição há anos, publiquei cinco e outros cinco estão em elaboração. Destes, dois estão quase prontos, sendo que um deles - "CARTAS NÃO REMETIDAS", resolvi dar à luz a priori, através do meu blog, iniciando hoje a série.

Salvador, março de 1952.


Querido pai,


Estou eu aqui na Rua Chile, centro de todas as atenções dos soteropolitanos, por graça de uma concessão do diretor do Colégio, onde me encontro internado, por entendimento seu, que deve ter sido muito mais para me ver capacitado para a vida, através de estudos, do que por iniciativa de minha madrasta que pretende ver os seus filhos, frutos de matrimônio passado, longe do lar paterno. Agradeço a oportunidade e espero não decepcioná-lo, embora sinta uma saudade do convívio com os amigos comuns, nos meus jogos de bola nos campos e nas várzeas, das minhas bolas de gude jogadas nas ruas, das arraias empinadas, dos meus carrinhos de madeira e das patinetes roladas nos passeios da Rua São José, nesta Cidade Princesa. Logo mais irei ao cinema Pax, na Baixa do Sapateiro, logradouro público cantado em versos do grande compositor Ari Barroso. Vou assistir a um filme com Roy Roger, caubói americano, com seu cavalo branco perseguindo bandidos que por aqui só se vê nas telas do cinema. Tem também cenas curtas com o Gordo e o Magro, Os Três Patetas, para se dar muita risada. No Colégio estou me preparando para o exame de admissão ao ginásio. Tenho a estima da professora. O Diretor do Colégio, Dr. Ângelo Alves, filho do ilustre professor Isaias Alves, Diretor do Instituto Normal da Bahia, aparentemente rigoroso, tenta impor a disciplina entre os alunos e por vezes indefere as nossas saídas nos finais de semana, contudo, como querendo justificar a medida, vem para o campo jogar futebol conosco. Sempre me escolhe para jogar do seu lado pelo meu fácil domínio com a bola, como faz Admir Menezes, craque do Vasco da Gama do Rio de Janeiro e da Seleção Brasileira, com quem me compara os amigos, quando faço gol driblando os adversários. Vou levando a vida, escondendo a tristeza da falta de carinho de minha mãe que se foi tão cedo, acometida da doença de chagas. Procurarei ser um bom homem, justo, capaz de dar amor aos meus filhos, embora não tenha tido a oportunidade de receber. Perdoe-me as verdades que hoje posso dizê-las por estar longe da possibilidade de levar uma surra pelas revelações que faço e infelizmente não são consensuais.

Peço-lhe a benção.

Do seu filho,
Milton.

Publicada em abril de 2011.

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