domingo, 25 de maio de 2014

CARTA PARA O ALÉM

Feira de Santana, 24 de maio de 2014.


Querido irmão Edson (Edinho),


Com muita tristeza, inconformismo, com a perda de sua presença material, resolvi escrever-lhe esta cartinha, para dizer, com certa revolta, da sua inesperada partida, sem a oportunidade de nos despedirmos.
Pela madrugada, um telefonema, avisa-me da sua intenção de partir para uma visita, forçada, pela sua teimosia, ao hospital. Levado às pressas, todos os esforços foram em vão, para adiar esta inevitável viagem, a que todos nós estamos obrigados e que você antecipou-se. Corri. Queria lhe falar e não pude. Cheguei tarde demais. Não pude lhe dizer da tristeza de termos vivido tantos anos, com poucas palavras, com pouca união, sem falarmos das nossas brincadeiras de criança, quando subíamos e descíamos aquela escada do casarão da Rua Direita, com nossa mãe convalescendo de uma doença incurável, que não sabíamos avaliar da gravidade, tamanha era a nossa inocência. Não pude lhe contar da saudade de muitos anos, em que estivemos separados pelos ideais, que nos conduziram em caminhos diferentes. Não pude reviver as nossas brincadeiras, ao lado da casa da Rua Santos Dumont, com os carrinhos que fabricávamos, com a ajuda do filho do marceneiro, o menino Francisquinho, ao confeccionar as rodas de madeira que serviam para rolar as nossas invenções.
Eu tinha muitas coisas para lhe contar, e esperava que começassem os nossos encontros e diálogos, já no domingo, com a visita à casa nova de nossa querida irmã, que veio para juntarmos as nossas alegrias, interrompidas por longos anos. Ela veio esperançosa e me dizia todos os dias, do seu projeto de encontros familiares, de bate-papos e serestas, que pretendia reviver, nos poucos anos que nos resta de vida corporal, nesta terra de amor e ódio, de encontros e desencontros, onde tantos profetizam união, mas se agridem a todo instante. Só nos restava a esperança de uma amplitude familiar, que iria suprir todas as faltas, desencontros e desentendimentos, involuntários, porque nos faltou a sabedoria tão escassa no ser humano. Iríamos tentar e temos esta capacidade.
Agora com a sua ausência, ficou um vazio, insuperável e insuportável. Uma tristeza que dói, que aflige, que angustia, que perdurará, não se sabe por quanto tempo. A sua falta é contundente. De repente, se fez o silêncio, e tive que lhe ver estático, inerte, dormindo um sono eterno, tranquilo, como se sua alma estivesse em paz, como conformada com a ida, abrupta e desavisada. É como se quisesse nos dar um recado, que você já não sofre em seu corpo alquebrado, mutilado pelos excessos, que praticamos durante a vida terrena. Confesso que fiquei ali parado, sem ação, impotente, e me cheguei ao primo Landinho, para falarmos das suas caminhadas pela Mouraria, pelo Nagé, onde você encontrou a sua amada, de tantas viagens e estadias, nestas plagas tão desconhecidas, que são nossos caminhos do tempo. A sua prole, fruto de sua união sólida, está fragilizada e triste. Não pode mais contar até com a sua teimosia de não querer se cuidar, com o amor de sempre e a constância de sua presença. É duro, lhe ver tão calado, sem poder me dizer dos meus erros e dos meus poucos acertos. Sonhei com novos dias. Queria ter a oportunidade de lhe dizer, que embora ausente, nunca lhe esqueci. Até das nossas brigas de travesseiros no quarto da casa de nosso pai, não pude relembrar com a sua presença. Vou levar comigo a sua imagem fraterna, frágil, que se fazia forte, para dar continuidade a uma lida, que não nos prepararam para tanto.
Carregamos por muitos anos um corpo, que nos deram, para depois terminar em uma vala funda. Dizem os bíblicos – do pó vieste e ao pó voltarás. A grande verdade que sei, é que não sabemos ainda de onde viemos e para onde vamos. A matéria, esta que nos transforma em seres humanos é finita, esta é a certeza, o mais são elucubrações, especulações de alguns estudiosos e esperanças religiosos de doutrinadores espíritas.
Tomara que tenham razão estes, porque aí, nos encontraremos, para uma vida eterna, ou quiçá, em outras vidas, em outros corpos, mais sábios, mais humildes e humanizados.
Adeus, irmão, amigo, companheiro, de algumas horas neste relógio do tempo, cuja numeração é infinita, desafiando físicos e matemáticos, que em suas equações não encontram a solução, como se estivessem diante de uma dízima periódica sem solução.

Seu irmão, saudoso e dolorido,

Milton.


MILTON E EDSON