terça-feira, 9 de outubro de 2012

CARTAS NÃO REMETIDAS ITAPOÃ

Itapoã, janeiro de 1956. Querido irmão, Edinho. Deixei o Colégio Ipiranga, em período de férias e fui direto para Itapoã, com destino à casa que nosso pai alugou, como sempre faz todos os anos, para o veraneio da família, embora seja exigência da madrasta para o seu próprio deleite. De alguma forma, usufruímos. Logo que cheguei fui visitar aquelas nossas amigas do ano passado, Uiara, Jaciara, Guaraci e Jaci, esta, a mais bonita de todas, de pernas bem torneadas, amiga, sem compromisso, de amor platônico. Iniciei um namoro com Guaraci e temos ido à praia todos os dias, estamos sentindo a sua falta, principalmente nas noites em que sentamos à beira mar, na areia morna e limpa, cantada por Dorival Caimmy, este baiano que encantou e encanta o Rio de Janeiro, o Brasil, fazendo sucesso com as suas musicas nos Estados Unidos da América, através de Carmem Miranda. Com meu violão tenho cantado um bom repertório, tendo como destaque a celebre “Prece ao Vento”, composição de Gilvan Chaves em parceria com Alcyr Pires Vermelho, que muitos pensam ser uma composição de Dorival, pelo estilo e harmonia musical. Versos que interpreto com sentimento e alegria, rodeado destas lindas morenas de Matatu de Brotas, que todos os anos vêm embelezar este antigo pouso de pescadores, por onde as baleias passeavam. Eis a letra: Prece ao Vento Composição de Gilva n Chaves e Alcyr P. Vermelho Gravação de Dorival Caymmi Vento que balança as palhas do coqueiro Vento que encrespa as ondas do mar Vento que assanha os cabelos da morena Me traz notícias de lá Vento que assobia no telhado Chamando para a lua espiar Vento que na beira lá da praia Escutava meu amor a cantar Hoje estou sozinho e tu também... Triste mas lembrando do meu bem... Vento, diga por favor, aonde se escondeu o meu amor... Estamos aguardando a sua presença, com sua voz macia, seu carisma e sua pinta de Victor Mature, segundo comentam as meninas. Você é o galã e eu o coadjuvante crescendo. Uyara tem perguntado por você. Quando você vem? Este Padre ai de Lustosa é rigoroso. Espero que no próximo ano você possa estudar no Colégio Central, em Salvador, como é seu desejo, podendo ficar hospedado na pensão de Seu Bonifácio, próximo ao Relógio de São Pedro e a Avenida Joana Angélica. Pelo visto, meu destino será Feira de Santana em 1957 e Aeronáutica em 1958, sendo esta a vontade da madrasta. Se estes fatos se concretizarem, nos encontraremos, para percorremos pela Rua da Mouraria e os bairros dos Barris, Matatu e adjacências, em noite de lua cheia, ao violão em serenatas, em frente às casas daquelas que haveremos de conquistar, enquanto a juventude nos permite em andanças descompromissadas, sem malícia e com muita poesia. Por enquanto lhe esperamos para curtirmos boas férias, com música, morenice, praia, futebol de areia pela manhã, pegando “jacaré” nas ondas do mar e a expectativa do amanhã que desconhecemos. Despeço-me com os versos de Caimmy: “Coqueiro de Itapoã, coqueiro./Areia de Itapoã, areia./Morena de Itapoã, morena./Saudade de Itapoã, me deixa, me deixa. Oh vento que faz cantiga/ nas folhas, no alto dos coqueirais...”. E ao final – “... E joga uma flor no colo de uma morena de Itapoã”. Um grande abraço,do mano, Milton.

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