TRECHO DA ORAÇÃO AOS MOÇOS
Sócrates, certo dia, numa das suas conversações que o Primeiro
Alcibíades54 nos deixa escutar ainda hoje, dava grande lição de mo−
déstia ao interlocutor, dizendo−lhe, com a costumada lhaneza: “A
pior espécie de ignorância é cuidar uma pessoa saber o que não sabe...
Tal, meu caro Alcibíades, o teu caso. Entraste pela política, antes de
a teres estudado. E não és tu só o que te vejas nessa condição: é esta
mesma a da mor parte dos que se metem nos negócios da república.
Apenas excetuo exíguo número, e pode ser que, unicamente, a
Péricles, teu tutor; porque tem cursado os filósofos.”
Vede agora os que intentais exercitar−vos na ciência das leis, e vir
a ser seus intérpretes, se de tal jeito é que conceberíeis sabê−las, e
executá−las. Desse jeito; isto é: como as entendiam os políticos da
Grécia, pintada pelo mestre de Platão.
Uma vez, que Alcibíades discutia com Péricles, em palestra regis−
trada por Xenofonte, acertou55 de se debater o que seja lei, e quando
exista, ou não exista.
“– Que vem a ser lei?”, indaga Alcibíades.
“– A expressão da vontade do povo”, responde Péricles.
“– Mas que é o que determina esse povo? O bem ou o mal?”
replica−lhe o sobrinho.
54 Nome de um diálogo de Platão, por intermédio de quem, sobretudo, nos fo−
ram transmitidos os ensinamentos de Sócrates.
55 acertou: aconteceu.
35
“– Certo que o bem, mancebo.”
“– Mas, sendo uma oligarquia quem mande, isto é, um dimi−
nuto número de homens, serão, ainda assim, respeitáveis as leis?”
“– Sem dúvida.”
“– Mas, se a disposição vier de um tirano? Se ocorrer violên−
cia, ou ilegalidade? Se o poderoso coagir o fraco? Cumprirá, toda−
via, obedecer?”
Péricles hesita; mas acaba admitindo:
“– Creio que sim.”
“– Mas então”, insiste Alcibíades, “o tirano, que constrange
os cidadãos a lhe acatarem os caprichos, não será, esse sim, o inimi−
go das leis?”
“– Sim; vejo agora que errei em chamar leis às ordens de um
tirano, costumado a mandar, sem persuadir.”
“– Mas, quando um diminuto número de cidadãos impõe seus
arbítrios à multidão, daremos, ou não, a isso o nome de violência?”
“– Parece−me a mim”, concede Péricles, cada vez mais vaci−
lante, “que, em caso tal, é de violência que se trata, não de lei.”
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