sábado, 21 de outubro de 2017

CRÔNICAS

PRAÇA DO NORDESTINO


(Da série Filhos da Princesa).


 Dos filhos da Princesa que habitavam a Praça do Nordestino, como era conhecida, ainda me lembro, - Sevilho Carneiro o fazendeiro honrado com imensas terras no distrito de Jaguará; o Promotor de Justiça descendente de Castro Alves - o poeta dos escravos de versos líricos e libertários que pregava – “Oh! Bendito o que semeia Livros... livros a mão cheia e manda o povo pensar, o livro caindo n´alma é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar”. O que dizia “Sou pequeno, mas só fito os Andes”. Lembro da família Cunha de D. Tereza de brilhantes festas em sua residência reunindo amigos para comemorar aniversários inesquecíveis, de prole digna; de Dona Petu com sua altivez, de ar tranqüilo como a rocha que não se abala com as intempéries, e de seus netos que se fizeram doutores e professores honrando a Princesa; da moça linda da esquina com a Rua Carlos Gomes, que passava fagueira pisando macio, de corpo leve e escultural, que como uma garça sombria trazia inveja no seu caminhar; do moço que por algum tempo roubou minha namorada da Usina de Algodão; de Teodorico próspero comerciante; da Pensão Brasil de Mané Quaresma que mesmo com muitas andanças pôde educar seus filhos; Barreto o bancário e sua glamorosa esposa das colunas sociais de Eme Portugal, com o bom vizinho Chico Maia de saudosa lembrança. Ali naquele logradouro público, imponente, ficava o Abrigo Nordestino do encontro de boêmios vindos de suas serenatas, onde se tomava o bom conhaque de Alcatrão São João da Barra para “cortar a gripe” colocando-o no pires com um pouco de açúcar, riscando o fósforo e tocando fogo, após, abafando, era servido em taça ainda quente, antes do sono do guerreiro. Muitas foram as noites que pela madrugada de violão em punho, vindos das serestas, cantávamos o vasto repertório de Francisco Alves, o Chico Viola, Rei da Voz – “A lua vem surgindo cor de prata, do alto da montanha verdejante, na lira do cantor em serenata, reclama da janela a sua amante...”. Pois é, como dizia Ataulfo Alves – “falaram tanto que a morena foi embora...”, e foram todos. Restam casas comercias na agonia do materialismo voraz, do eterno enriquecer e até o abrigo de muitos encontros transformaram em loja de confecções. Não mais o pão com manteiga, o cafezinho quente, o conhaque e o bom churrasco servido para os homens da noite e para os viandantes de plagas distantes que passavam cruzando norte/sul e vice versa. As famílias hoje se abrigam em Condomínios protegidos por guaritas e seguranças, fugindo dos marginais gerados na “barriga da miséria” (Chico Buarque). Não mais as matinês do Cinema Íris de Belarmino com sua lanterna a retirar os “moleques” do ressinto, das segundas-feiras das fitas de Caubói, de Billy Elliot, Zorro, Roy Rogers, Cavaleiro Negro, Flash Gordon no Planeta Ming, O Gordo e o Magro, Três Patetas, das cortinas abrindo ao som de “Oh abre a cortina do passado, olha a mãe preta do serrado, olha o rei momo no gongado, Brasil... Brasil”. Penso minha Princesa, que o progresso é a contramão do humanismo e o materialismo é a estrada por onde vão par e passo a fartura e a fome, caminhando juntos para o nada.

Feira, 11.06.2009. 



                        MILTON DE BRITTO

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