segunda-feira, 20 de maio de 2013
TRISTE FIM DE UM BOÊMIO
Na década de trinta, era apenas um menino comportado, de uma família de classe média, residente na capital do Estado, estudando em colégio de boa formação educacional, tendo no currículo matérias como latim, francês, inglês, dentre outras. Ao completar dezoito anos, matriculado no curso científico, ingressou no exército brasileiro na condição de Cadete, aspirante ao grau de Oficial das forças armadas, no ano de 1940. Em consequência da Guerra deflagrada pelos alemães em 1939, tomando dimensão mundial, em 1944, foi Raimundo convocado para integrar as Forças Expedicionárias que iria lutar na Itália, na famosa batalha de Monte Castelo, onde os pracinhas saíram vitoriosos. Retornando a sua terra natal, amante da boa música e exímio violonista, muitas vezes andou pelas madrugadas, na companhia de amigos, a fazer serenatas nas janelas de lindas mulheres que conquistou. Casou-se com uma professora e teve filhos, transferindo a residência para uma cidade do interior, aí permanecendo até completar sessenta e cinco anos de idade. Durante o período interiorano, conheceu diversos amigos, seresteiros, vivendo longas noites de boemia, misturando musica, mulheres e bebidas, que terminava nos bordéis, na prática sadia de fazer amor. Ao tempo que vivia intensamente a vida noturna, se afastava da família, que o levou ao desquite, penalizado por uma pensão alimentícia, que teve que carregar pelo resto de sua existência, embora tivesse o direito de exonerar-se desta obrigação, pela emancipação dos filhos e da ex-esposa, que tinha recursos financeiros suficientes para a sua sobrevivência. Tentou a via judicial para este intento, não conseguindo, pela conivência tendenciosa de um magistrado, influenciado por laços religiosos e financeiros. Pela vida noturna que viveu, ganhou o apelido de Boêmio. O conheci no final da década de 50, com quem desenvolvi o gosto pela musica, executada por um bom violão que nos acompanhava. Por aqui andamos pelas madrugas, em ruas e avenidas, ao som de “Abre a janela, vem ouvir a voz plangente/ do violão, que junto a mim chora comigo/ Abre a janela e vem ouvir o soluçar/ de quem na vida só por ti vive a penar”.
Ausentei-me por vinte anos e ao retornar encontrei Boêmio, alquebrado, sem a companhia de um amor verdadeiro, e ainda perseguido pelos alimentos a que se obrigara injustamente, já aposentado, sobrevivendo com parcos recursos, mas ainda com a voz macia e o violão que executava como poucos. Amante da música, morreu com ela, sua companheira inseparável, em uma casinha no bairro de Itapuã, que já não era a praia aprazível de longos anos, mas o centro de um burburinho de desunião e conflitos, de poucos amigos, ou quase nenhum.
O Exército perdeu um herói, as mulheres perderam um amante, a cidade perdeu a musicalidade de um grande artista, que a mídia desconheceu, o mundo perdeu um poeta e um cidadão exemplar, que tentou viver com alegria. Não sei se ao morrer esboçou algum sorriso, mas deveria, porque, afinal de contas, pôde conviver com o que há de mais sagrado – a musica.
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