sexta-feira, 31 de maio de 2013

UMA CARTA PARA O RIO DE JANEIRO

Remetente: Milton Pereira de Britto Destinatário: Cidade Maravilhosa. Feira de Santana, 25.05.2013. Minha querida Princesinha do Mar, Em primeiro lugar, desejo que esta missiva chegue e lhe encontre gozando dos privilégios que a vida lhe outorgou desde o seu nascimento, e aproveito para ratificar o conceito dos poetas e compositores que cantaram a sua beleza, em versos que ainda hoje são atuais – “O Rio de Janeiro Continua lindo/ O Rio de Janeiro continua sendo...” (Gilberto Gil); e, “Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil/ Cidade Maravilhosa, coração do meu Brasil...(André Filho). Digo a você, minha querida, que apesar dos pesares, segundo as versões da mídia perversa que só vê em você o berço da marginalidade, com seus morros que não são uivantes, mas, são violentos, quando se trata de confrontos entre traficantes e polícia, apesar dos pesares, você continua linda. Sem lhe avisar ou pedir permissão, fiz-lhe uma visita, porque pretendia passar e passear por caminhos, por mim andados em épocas de aventura, sonho e realidade. Hospedei-me no Bairro do Flamengo, na Rua Ferreira Viana, onde morei por oito anos, na década de 60, indo e vindo de norte a sul, com os meus compromissos em Copacabana, Laranjeiras, Tijuca, Méier e adjacências. Você, com seus braços abertos, carinhosamente me recebeu, permitindo a minha circulação com tranquilidade, paz e harmonia. Aproveitei e visitei os Jardins do Palácio do Catete, recanto aprazível, aberto para o público, que se delicia nas sombras dos arvoredos, nos cantos dos pássaros e no barulho gostoso das águas correntes de suas pequenas nascentes. Fiquei deslumbrado com a população idosa, que ali encontrei e ainda mais surpreso com esta população espalhada na zona sul, do Leblon à Ipanema, de Copacabana ao Flamengo. No seu trânsito ligeiro pude constatar a organização do tráfego, que permite aos seus moradores e visitantes, o deslocamento regular, sem filas de espera ou tumultos. Peguei o Metrô que lhe presentearam, saindo da Rua do Catete para a Praça General Osório, logradouro extremamente urbanizado e andei com minha companheira de todos os dias, Eva, que apesar do cansaço, se sentiu recompensada de visita tão ilustre. Suas praças são urbanizadas, cuidadas e humanizadas, como raramente se vê neste país de governantes descompromissados com o bem público. A Praça Nossa Senhora da Paz, pouco mudou, lá permanecendo a Igreja em louvor a Padroeira e no seu entorno não mais o Boliche de Mário Prioli, que reunia artistas e amigos em noites memoráveis; não mais o Restaurante Cabana, onde fiz minhas últimas apresentações musicais como profissional. Por lá, ergueram espigões e no local do Restaurante, encontra-se uma garagem. Sei que a sua polução cresceu geometricamente e exige este sacrifício de não permitir a beleza das mansões e abrigos da classe média, que gozava da brisa fresca do mar, que margeia o nobre bairro, que serviu para Tom Jobim musicar os versos de Vinicius de Morais, na célebre musica – “Garota de Ipanema” –“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela menina, que vem e que passa, num doce balanço, caminho do mar...”. Não pretendo me alongar nesta primeira correspondência, mesmo porque tenho muito que lhe contar sobre esta minha estadia surpresa, na visita que não lhe avisei, mas que fiquei gratificado. Em breve, escreverei para lhe falar dos cantos e recantos por onde andei e amei. Abraços, daquele que por muitos anos foi, carinhosamente, tratado por seus filhos, de cariobano,

segunda-feira, 20 de maio de 2013

TRISTE FIM DE UM BOÊMIO

Na década de trinta, era apenas um menino comportado, de uma família de classe média, residente na capital do Estado, estudando em colégio de boa formação educacional, tendo no currículo matérias como latim, francês, inglês, dentre outras. Ao completar dezoito anos, matriculado no curso científico, ingressou no exército brasileiro na condição de Cadete, aspirante ao grau de Oficial das forças armadas, no ano de 1940. Em consequência da Guerra deflagrada pelos alemães em 1939, tomando dimensão mundial, em 1944, foi Raimundo convocado para integrar as Forças Expedicionárias que iria lutar na Itália, na famosa batalha de Monte Castelo, onde os pracinhas saíram vitoriosos. Retornando a sua terra natal, amante da boa música e exímio violonista, muitas vezes andou pelas madrugadas, na companhia de amigos, a fazer serenatas nas janelas de lindas mulheres que conquistou. Casou-se com uma professora e teve filhos, transferindo a residência para uma cidade do interior, aí permanecendo até completar sessenta e cinco anos de idade. Durante o período interiorano, conheceu diversos amigos, seresteiros, vivendo longas noites de boemia, misturando musica, mulheres e bebidas, que terminava nos bordéis, na prática sadia de fazer amor. Ao tempo que vivia intensamente a vida noturna, se afastava da família, que o levou ao desquite, penalizado por uma pensão alimentícia, que teve que carregar pelo resto de sua existência, embora tivesse o direito de exonerar-se desta obrigação, pela emancipação dos filhos e da ex-esposa, que tinha recursos financeiros suficientes para a sua sobrevivência. Tentou a via judicial para este intento, não conseguindo, pela conivência tendenciosa de um magistrado, influenciado por laços religiosos e financeiros. Pela vida noturna que viveu, ganhou o apelido de Boêmio. O conheci no final da década de 50, com quem desenvolvi o gosto pela musica, executada por um bom violão que nos acompanhava. Por aqui andamos pelas madrugas, em ruas e avenidas, ao som de “Abre a janela, vem ouvir a voz plangente/ do violão, que junto a mim chora comigo/ Abre a janela e vem ouvir o soluçar/ de quem na vida só por ti vive a penar”. Ausentei-me por vinte anos e ao retornar encontrei Boêmio, alquebrado, sem a companhia de um amor verdadeiro, e ainda perseguido pelos alimentos a que se obrigara injustamente, já aposentado, sobrevivendo com parcos recursos, mas ainda com a voz macia e o violão que executava como poucos. Amante da música, morreu com ela, sua companheira inseparável, em uma casinha no bairro de Itapuã, que já não era a praia aprazível de longos anos, mas o centro de um burburinho de desunião e conflitos, de poucos amigos, ou quase nenhum. O Exército perdeu um herói, as mulheres perderam um amante, a cidade perdeu a musicalidade de um grande artista, que a mídia desconheceu, o mundo perdeu um poeta e um cidadão exemplar, que tentou viver com alegria. Não sei se ao morrer esboçou algum sorriso, mas deveria, porque, afinal de contas, pôde conviver com o que há de mais sagrado – a musica.

domingo, 12 de maio de 2013

EU VOLTEI

Raul Sampaio, um dos maiores compositores, deste país de curta memória, dentre as belas musicas de sua autoria está “Meu Pequeno Cachoeiro”, consagrada na interpretação de Roberto Carlos, seu conterrâneo de Cachoeiro do Itapemirim, cidade que fica no Estado do Espírito Santo. A identidade desta composição com a minha pessoa é no sentido inverso, tomando como base, os primeiros versos. “Eu passo a vida recordando de tudo quanto aí deixei Cachoeiro, Cachoeiro vim ao Rio de Janeiro p'ra voltar e não voltei!”. Tanto Raul, quanto Roberto saíram de Cachoeiro ,“p’ra voltar” e Roberto não voltou. Comigo aconteceu o inverso. Fui p’ro Rio de Janeiro p’ra não voltar e voltei. Os três dedicados ao meio artístico, prontos para o sucesso, mas a vida surpreende os seus passantes, conforme as circunstâncias, regido por astros e por leis cósmicas, pelo homem, a maioria das vezes, inentendível, de tal sorte, que seguem rumos divergentes. Eu, não soube aproveitar as oportunidades que me foram dadas, negligenciei, não insisti, desisti, talvez, pela primeira vez, de uma tarefa que me foi outorgada pela natureza. Nasci artista, poeta, compositor e cantor com uma voz que me privilegiou nos setores de comunicação por onde passei, de tal sorte, que cheguei a cantar no mesmo clube onde Roberto se apresentava em início de carreira, eu recebendo cinco mil cruzeiros e ele sem cachê. Cheguei ao Rio no início de 1961, vinte dias depois estava contratado por uma Boate, denominada (CLAUDIU’S BAR), em Copacabana, onde se apresentavam cantores consagrados. Daí abriu-se todas as portas: Radio Nacional – Programas Cezar de Alencar; Paulo Gracindo; Manoel Barcelos; com audiência em todo território nacional; todas as demais Rádios e Televisões, da Cidade Maravilhosa, serviram de palco para minhas apresentações, e para completar, gravei disco na maior gravadora do mundo – RCA Victor. Veio o movimento da Jovem Guarda, com influência da musica americana do norte e a Bossa Nova, esta, patrocinada por filhinhos de papais ricos, que saiam do ostracismo dos apartamentos luxuosos da zona sul, com influência do Jazz, para as Boates e emissoras comprometidas com a aculturação do Brasil. Envolvido em movimentos políticos estudantis, com a intelectualidade e o meio artístico tradicional, fui, enterrado vivo, com minhas paixões e ideais, restando o recuo, para a cidade de onde sai – Feira de Santana. Ai, refeito dos traumas e das frustrações, com outra formação profissional, sobrevivi, vendo de perto a glória dos que sabem persistir e o consolo de quem sabe se recompor e seguir novos rumos, com dignidade e sapiência. Quarenta anos depois de uma ausência forçada, vou ao Rio de Janeiro, P’ra voltar mais uma vez, talvez, de forma definitiva, porque sinto que aqui é o solo que me foi reservado para o ultimo suspiro. Confesso que gostaria de ter nascido e vivido na Suiça, mas cada um tem o destino que merece. Vou matar uma saudade que ainda sufoca o meu coração, embora, não encontre os mesmos caminhos e os descaminhos por onde passei já modificados pelos homens, que transformam a natureza segundo os seus caprichos, conveniências e vantagens financeiras. Não mais Le Rond Point, Michel, Claudius, Cabana, Jirau, Maison de France, Bonde da Gávea, Ônibus Elétrico, Mariza Gata Mansa, Dolores, Sarita, Braguinha com suas marchinhas e seu Carinhoso na parceria com Pixinguinha; não mais Ataulfo e as Pastorinhas; não mais o mais ou o menos. Não mais Marivone, Copacabana e Ipanema. Vou de passagem, aos sebos, para falar com Dostoiéviski, Montesquieu, Rousseau, Voltaire, Manuel Bandeira, Olegário Mariano e suas cigarras cantantes na morada da Gávea; não mais o Zicartola na Rua da Carioca ao som de As Rosas Não Falam, na voz do autor, assistido pela classe boêmia do meu saudoso Rio de janeiro à janeiro.