quinta-feira, 21 de julho de 2011

TANQUE VELHO

. Tanque Velho da minha mocidade, dos meus brinquedos de criança, das minhas travessias aprendendo a nadar; dos peixes pescados para o almoço, secados ao sol, dependurados nas cordas, entremeados com as carnes bovinas que após secarem seriam armazenadas em barris de farinha de mandioca, para o feijão cozido de amanhã, degustado ao pé do fogão de lenha sentado no cepo ao lado de minha avozinha que viveu 104 anos praticando o bem e abrigando os desvalidos, distribuindo terras com os trabalhadores com o pioneirismo de quem faz a reforma agrária que os governos negam, procrastinam e enganam. Tanque de águas profundas ladeando a Fazenda do mesmo nome, no agreste do Quaresma por onde aflora o mandacaru, a escassa mandioca e o raro feijão, embora próspero para o fumo do charuto, do cigarro de palha e do cachimbo. Por ai andei de “badogue” em punho na caça dos passarinhos que a infância não distingue, por desconhecer o compromisso com a fauna. Tanque Velho de Guilherme e Ildefonsa, primos que se casaram para a formação de uma família que se respeita de onde saíram Manoel e Dande, prósperos e simples cidadãos honestos, prenhe de conhecimento, autodidatas que o tempo levou sem piedade antes da hora. Poderia ter sido o bebedouro particular do minifúndio, mas não foi, porque se permitiu a todos a divisão de suas águas para matar a sede dos animais da redondeza, numa repartição pregada por aquele que o homem mau em sua ambição e inveja crucificou. Ainda me lembro do “FIFÓ” e do candeeiro, reclamados por Badinho que não dormia se não estivessem acesos. Lembro do cerco de quarana, único lugar para as necessidades fisiológicas, cujas folhas substituíam o “TicoTico” e o suave “Neve”. Lembro da folha de juá que meu avô usava para escovar os dentes brancos que nunca foram examinados por dentistas, pela forma sadia que se encontravam.
Por ali passaram “Mitoi” o comilão, “Agrário” o peão das cantigas e da peleja de Cego Aderaldo e Zé Pretinho, que sabia de co. Tanque Velho sempre novo para as novas gerações, que não secou como não secam os olhos meus pelas lembranças de um tempo quando o homem ainda era puro e os casais se amavam, homem e mulher, porque se fez o mundo para a perpetuação da espécie. Do corredor com destino ao “Calço” e à casa de “Martide”, da casa de farinha e do beiju quentinho da mandioca ralada pelo cilindro circulando pela força do braço do homem impulsionando a Roldana; do bolo de puba da casa de Silvia casada com o vaqueiro Roque que meu avô abrigou, dando-lhes casa e terras para os seus sustentos. Tanque que se fez tanque pela mão do homem e que lhe retribuiu com a água para se lavar e para se beber. Por ali pousavam os marrecos e os “Espantas Boiadas”, depois de revoadas e cantos de acordar e fazer alegre o povo humilde. Se não fosses tu, com tuas águas calmas, eu não teria aprendido a nadar, inicialmente o nado de boi e depois o de braçada, que me deu condição para alcançar o mar. No cavalo em pelo, sem sela, apostei corridas, ganhando e perdendo algumas, que não tinha importância, porque o que valia era o prazer de sentir na velocidade o vento passando no meu rosto de menino levado pelo prazer de viver a vida sem as complicações da cidade grande, das ambições desmedidas e das disputas desleais a que o adulto se sujeita. Eu era feliz, chupando o azedo umbu, a jabuticaba e a cajá que colhia nas terras não muito férteis, mas satisfatórias da ultima gleba plantada no sertão dos meus antepassados, que não souberam administrar as sesmarias que o império os legou.
Feira de Santana,

Em um dia de saudade, do ano de 2011.

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