sábado, 6 de novembro de 2010

A MORENA DE IPANEMA OU PEREIRA EM COPACABANA.

Pereira foi um nordestino que tinha tudo para dar certo em seus intentos, mas vacilou... se perdeu na grande metrópole, não aproveitou a vida em sua plenitude, o tempo passou e ele não viu, retornando ao seu convívio na pequena cidade do interior de onde saiu para tentar brilhar nos palcos deste imenso Brasil. Era um rapaz afeiçoado, boa pinta, tocava razoavelmente um piano em virtude de aulas recebidas de uma tia que lhe tinha estima. De voz aveludada, estilo de Dick Farney cantava como poucos em qualidade. Chegou ao Rio de Janeiro, capital da República, na década de 50, no momento áureo da vida artística, palco de muitos teatros, cassinos, boates, bares e restaurantes de luxo, com apresentações ao vivo de cantores e músicos. Foi destaque nas melhores casas de show e chamava a atenção de mulheres bonitas solitárias e algumas até mesmo acompanhadas. Tímido, não se dava conta de que a maioria buscava um corpo jovem, vigoroso e belo para os prazeres da carne, este ato que faz vibrar a musculatura, as entranhas e acelera o coração, mas faz um bem incomensurável. Em suas andanças, Pereira teve alguns romances, leves, tímidos, de tal forma que algumas sedentas de carinho duvidavam de sua masculinidade. Foi assim que o nosso personagem conheceu em uma noite de musicalidade inspirada, um casal que se fazia acompanhar de uma linda morena que não lhe tirava os olhos, fazendo com que o garçom lhe entregasse um bilhete dizendo-lhe do desejo de um encontro, uma conversa ainda naquela noite. Percebia-se que o casal também queria estar sozinho e ali se apresentava uma boa oportunidade para escaparem, se livrando da amiga que não iria compartilhar da alcova. Naquele tempo não se falava em sexo grupal ou qualquer outro desvio de conduta moral. Amor se fazia a dois. Em sua introspectividade, Pereira, ao sair da boate se fez acompanhar da bela mulher de corpo escultural, cabelos negros brilhantes, sedosos, olhos castanhos, face arredondada de contornos finos, pele macia como o veludo que dá gosto passear com as mãos, lábios carnudos prontos e apetitosos para o beijo. Era uma deusa perdida na madrugada de uma noite carioca. Saíram de Copacabana indo para um restaurante na Urca, bairro nobre da zona sul. Conversaram, enquanto o casal amigo buscava um apartamento para o seu desfeche amoroso, detendo-se o nordestino em amenidades, marcando um próximo encontro com a sua nova conquista, quem sabe para um corpo à corpo, o que aconteceu no bairro de Ipanema, onde morava a morena. No primeiro dia de folga, numa segunda-feira, quando Pereira não se apresentava na boate, logo cedo, à noite, deu-se o tão esperado encontro que se restringiu aos beijos e abraços no portão da Mansão, residência do pai da apaixonante donzela. Confessou-lhe – “meus pais são separados, sendo que meu pai mora aqui nesta casa com outra mulher e minha mãe mora em Niterói”. – “Quando eu quero dar minhas saídas digo a meu pai que vou para a casa de minha mãe e vice-versa”. O nosso personagem não era um aproveitador. Ao contrário. Não era um português de contos cariocas, mas era um sentimentaloide juramentado, o bastante para se contentar com um namoro de porta de rua. Pouco tempo depois o namoro findou, ficando a saudade e a frustração de não se ter vivido uma inesquecível noite de verão com o calor abençoado de corpos se amando, em segredo e exageradamente. No ano seguinte, o artista que ainda participava de eventos de destaque, foi convidado para uma apresentação em uma casa noturna, quando no intervalo de seu repertório, olhando os convidados deparou-se com aquela que foi o seu deslumbre e frustração, oportunidade em que ficou sabendo que há muito, aquela que parecia ser tímida era uma “mulher de programa”, vendendo o corpo a varejo. Lembrou de uma melodia de seu repertório gravada pelo Rei da Voz – “Chico Viola” – “Fugindo da nostalgia, fui procurar alegria na ilusão dos cabarés; sinto beijo no meu rosto e bebo por meu desgosto, relembrando o que tu és. E no anseio da desgraça bebo mais a minha taça para afogar a visão... quanto mais bebida eu ponho, mas cresce a mulher no sonho, na taça e no coração”. Daí, Pereira saiu, foi à primeira sorveteria, tomou um sorvete de ameixa, um copo com água bem gelada, cantarolando a musica de Noel Rosa – “Seu garçom faço o favor de me trazer depressa...”.

Feira, 05.11.2010.

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