DO LIVRO DE POESIA "O EU DESILUDIDO".
APRESENTAÇÃO
A ninguém atribuo as minhas desilusões, que são frutos da minha própria estrutura intelectual, formada pelas minhas andanças e pelo desejo de ver na humanidade, a harmonia que não se encontra nem no universo, que se descompassa em campos gravitacionais. A ilusão é minha, como também a desilusão, que, por certo, não cantaria se não fosse poeta e, por consequência, sonhador. Versos são para se cantar e a sonoridade vai a compasso de espera por uma harmonia que os dedos não acompanham porque necessitam de exercícios, que o tempo não permite pela nossa exiguidade para tantas atribuições. Sendo eu mesmo, o múltiplo de razões incompreendidas, dou ao mundo as minhas alegrias e as minhas dores, que não são a do amigo Schopenhauer, mas podem se espelhar em Merck, amigo jovem de Goethe, que vaticinava: “A feia pretensão à felicidade na medida em que sonhamos, estraga tudo neste mundo. Quem se puder emancipar dela e nada mais pretender que aquilo que tem diante de si, poderá vencer”. Ensina-nos Schopenhauer: “o meio mais seguro de não sermos muito infelizes será o de não querermos ser felizes demais”.
O título deste livro é muito mais uma tentativa de formarmos uma trilogia poética, partindo do primeiro livro publicado – “O EU SOFRIDO” e o próximo “O EU SONHADO”, do que um grito de dor e desespero, embora tenha razões para tanto.
A essência maior deste livro é a poesia dedicada a Simone, minha filha querida, que nasceu e viveu vida curta, em silêncio, porque os deuses bíblicos não lhe permitiram a imagem e a perfeição do pretenso Criador. (vejam à página – 28 “POEMA EM DOR MAIOR”). VIDE FOTO.
POEMA EM DOR MAIOR
(Dedicado à minha filha Simone, vítima de cranioestenose,
microcefalia e atrofia cerebral, sem dizer uma palavra).
Por muito que eu disfarce,
Para que eu não sofra
Com a sua mudez,
Com a sua ausência involuntária de carinho...
É irreversível a minha dor.
Amo-te criança!
Amo-te pela passividade em ti –
Psíquica, anômala,
Sem reação natural que justifique o Ser,
Sem evolução, porque te foi negado
O direito do desenvolvimento.
Amo-te porque nasceste minha,
Fruto do que sou,
Com a minha deficiência genética,
Sem a minha inteligência,
Sem a minha vontade férrea
Para conquistar o mundo.
Por muito que eu disfarce
E não te perceba,
Consumo-te e te venero –
Deusa, sem milagres e sem utopia.
Estás aí como realidade
Da incapacidade morfológica
Do meu eu,
Que em sua multiplicidade
Gerou a incógnita
Do meu derradeiro instante.
Brasília, 28.10.76.
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