segunda-feira, 17 de agosto de 2020

DO LIVRO DE POESIA "O EU DESILUDIDO".

            DO LIVRO DE POESIA "O EU DESILUDIDO".


 APRESENTAÇÃO

    A ninguém atribuo as minhas desilusões, que são frutos da minha própria estrutura intelectual, formada pelas minhas andanças e pelo desejo de ver na humanidade, a harmonia que não se encontra nem no universo, que se descompassa em campos gravitacionais. A ilusão é minha, como também a desilusão, que, por certo, não cantaria se não fosse poeta e, por consequência, sonhador. Versos são para se cantar e a sonoridade vai a compasso de espera por uma harmonia que os dedos não acompanham porque necessitam de exercícios, que o tempo não permite pela nossa exiguidade para tantas atribuições. Sendo eu mesmo, o múltiplo de razões incompreendidas, dou ao mundo as minhas alegrias e as minhas dores, que não são a do amigo Schopenhauer, mas podem se espelhar em Merck, amigo jovem de Goethe, que vaticinava: “A feia pretensão à felicidade na medida em que sonhamos, estraga tudo neste mundo. Quem se puder emancipar dela e nada mais pretender que aquilo que tem diante de si, poderá vencer”. Ensina-nos Schopenhauer: “o meio mais seguro de não sermos muito infelizes será o de não querermos ser felizes demais”.

    O título deste livro é muito mais uma tentativa de formarmos uma trilogia poética, partindo do primeiro livro publicado – “O EU SOFRIDO” e o próximo “O EU SONHADO”, do que um grito de dor e desespero, embora tenha razões para tanto.

    A essência maior deste livro é a poesia dedicada a Simone, minha filha querida, que nasceu e viveu vida curta, em silêncio, porque os deuses bíblicos não lhe permitiram a imagem e a perfeição do pretenso Criador. (vejam à página – 28 “POEMA EM DOR MAIOR”). VIDE FOTO.



POEMA EM DOR MAIOR

(Dedicado à minha filha Simone, vítima de cranioestenose,

microcefalia e atrofia cerebral, sem dizer uma palavra).

Por muito que eu disfarce,

Para que eu não sofra

Com a sua mudez,

Com a sua ausência involuntária de carinho...

É irreversível a minha dor.

Amo-te criança!

Amo-te pela passividade em ti –

Psíquica, anômala,

Sem reação natural que justifique o Ser,

Sem evolução, porque te foi negado

O direito do desenvolvimento.

Amo-te porque nasceste minha,

Fruto do que sou,

Com a minha deficiência genética,

Sem a minha inteligência,

Sem a minha vontade férrea

Para conquistar o mundo.

Por muito que eu disfarce

E não te perceba,

Consumo-te e te venero –

Deusa, sem milagres e sem utopia.

Estás aí como realidade

Da incapacidade morfológica

Do meu eu,

Que em sua multiplicidade

Gerou a incógnita

Do meu derradeiro instante.


Brasília, 28.10.76.