Tanque Velho da minha mocidade, dos meus brinquedos de
criança, das minhas travessias aprendendo a nadar; dos peixes pescados para o
almoço, secados ao sol, dependurados nas cordas, entremeados com as carnes
bovinas que após secarem seriam armazenadas em barris de farinha de mandioca,
para o feijão cozido de amanhã, degustado ao pé do fogão de lenha, sentado no
cepo ao lado de minha avozinha que viveu 104 anos praticando o bem e abrigando
os desvalidos, distribuindo terras com os trabalhadores com o pioneirismo de
quem faz a reforma agrária que os governos negam, procrastinam e enganam.
Tanque de águas profundas ladeando a Fazenda do mesmo nome, no agreste do
Quaresma por onde aflora o mandacaru, a escassa mandioca e o raro feijão,
embora próspero para o fumo do charuto, do cigarro de palha e do cachimbo. Por
ai andei de “badogue” em punho na caça dos passarinhos que a infância não
distingue, por desconhecer o compromisso com a fauna. Tanque Velho de Guilherme
e Ildefonsa, primos que se casaram para a formação de uma família que se respeita
de onde saíram Manoel e Dande, prósperos e simples cidadãos honestos, prenhe de
conhecimento, autodidatas que o tempo levou sem piedade antes da hora. Poderia
ter sido o bebedouro particular do minifúndio, mas não foi, porque se permitiu
a todos a divisão de suas águas para matar a sede dos animais da redondeza,
numa repartição pregada por aquele que o homem mau em sua ambição e inveja
crucificou. Ainda me lembro do “FIFÓ” e do candeeiro, reclamados por Badinho
que não dormia se não estivessem acesos. Lembro-me do cerco de quarana, único
lugar para as necessidades fisiológicas, cujas folhas substituíam o “Tico-Tico”
e o suave “Neve”. Lembro-me da folha de juá que meu avô usava para escovar os
dentes brancos que nunca foram examinados por dentistas, pela forma sadia que
se encontravam.
Por ali passaram “Mitoi” o comilão, “Agrário” o peão das
cantigas e da peleja de Cego Aderaldo e Zé Pretinho, que sabia de co. Tanque
Velho sempre novo para as novas gerações, que não secou como não secam os olhos
meus pelas lembranças de um tempo quando o homem ainda era puro e os casais se
amavam, homem e mulher, porque se fez o mundo para a perpetuação da espécie. Do
corredor com destino ao “Calço” e à casa de “Martide”, da casa de farinha e do
beiju quentinho da mandioca ralada pelo cilindro circulando pela força do braço
do homem impulsionando a Roldana; do bolo de puba da casa de Silvia casada com
o vaqueiro Roque que meu avô abrigou, dando-lhes casa e terras para os seus sustentos.
Tanque que se fez tanque pela mão do homem e que lhe retribuiu com a água para
se lavar e para se beber. Por ali pousavam os marrecos e os “Espantas Boiadas”,
depois de revoadas e cantos de acordar e fazer alegre o povo humilde. Se não
fosses tu, com tuas águas calmas, eu não teria aprendido a nadar, inicialmente
o nado de boi e depois o de braçada, que me deu condição para alcançar o mar.
No cavalo em pelo, sem sela, apostei corridas, ganhando e perdendo algumas, que
não tinha importância, porque o que valia era o prazer de sentir na velocidade
o vento passando no meu rosto de menino levado pelo prazer de viver a vida sem
as complicações da cidade grande, das ambições desmedidas e das disputas
desleais a que o adulto se sujeita. Eu era feliz, chupando o azedo umbu, a
jabuticaba e a cajá que colhia nas terras não muito férteis, mas satisfatórias
da ultima gleba plantada no sertão dos meus antepassados, que não souberam
administrar as sesmarias que o império os legou.
Feira de Santana,
Em um dia de saudade, do ano de 2011.
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