quinta-feira, 7 de novembro de 2013
CARTA PARA ANA LOIRA
Feira de Santana, 12 de novembro de 2011.
Querida amiga, Ana,
Como é do seu conhecimento, comemoro o meu aniversário, e, já se passaram muitos anos, desde que nos conhecemos. Seria hoje um dia para falar de coisas boas, com musicalidade e poesia. Jurei que não falaria de coisas ruins, de maus presságios, agouros, bruxas e malversação, mas, quebrei a minha jura, por causa dos juros exorbitantes praticados pelos Bancos e demais instituições financeiras, em detrimento da população necessitada, dos consumidores inevitáveis deste mercado torpe que nos alimenta a peso de ouro, que não possuímos, mas pagamos o preço, e a maioria das vezes sucumbimos, embora o governo federal diga que a inflação é de 0,6 e conceda aumento salarial de 6% ao ano para os trabalhadores, enquanto os parlamentares se dão aumento de 70%, pra trabalharem de segunda à quarta, ou seja, três dias por semana, uns, na parte da tarde, e outros, pela manhã, num esforço hercúleo para não morrerem de tédio, em suas riquezas ilícitas, com 13º e 14º salários, além da ajuda paletó e outras benesses, engabelando todos nós. Pesquisando a minha árvore genealógica, descobri que tenho herança genética de Diogo Álvares Correia – o Caramuru, homem valente, que sobreviveu após um naufrágio e foi temido pelos índios antropófagos, daí o meu destemor. Pois é, minha amiga. Fico pasmo quando leio que nosso País é inviável porque perde para a corrupção R$ 85 bilhões de reais por ano; tem uma máquina burocrática que cresce mais do que o PIB e cobra 40% deste em impostos, mas não consegue zerar o déficit público, gerando energia elétrica pelo método mais barato do mundo e a entrega ao consumidor por um dos preços mais elevados do planeta, com a carga tributária mais injusta do mundo civilizado, batendo em nossa porta para cobrar a maioria das vezes o indevido. O nosso dinheiro aplicado em caderneta de poupança rende 0,6% ao mês, mas o nosso cartão de crédito nos cobra até 19,9% ao mês; o cheque especial 8,21% ao mês e 158,03% ao ano, uns, e outros, CET de 9,66% ao mês e 207, 080% ao ano, com juro mensal de 9, 030% e anual de 182,19%. É ou não é um assalto aos nossos parcos rendimentos do labor suado? É ou não é uma afronta ao nosso povo desprotegido, tutelado por leis injustas que só beneficia os poderosos, corruptos e corrompidos? Enquanto isto, todas as igrejas de todas as religiões são isentas de qualquer tributo, assim declarado pela Carta Magna, que ainda diz - “todos são iguais perante a lei”. No meu labor advocatício as decepções somam-se aos milhares. Juízes e Promotores se julgam deuses e nós, pobres mortais, submissos ao império dos incompetentes. Só temos direito ao “jus esperniandi”, porque a deusa vendada ficou surda e muda. Ainda hoje recebi uma intimação de um processo que tramita desde os idos de 1982, com o despacho brilhante de um Magistrado – “Diga a parte autora se tem interesse no andamento do feito”. Como se a postulação fosse um ato inócuo. Parece brincadeira. Como a Bela Adormecida, espera o judiciário pelo beijo ressuscitador, para acordar do pesadelo da inércia. Os demandantes morreram e o advogado se aposenta decepcionado, após 50 anos de longo estudo, escrevendo o que as Excelências não leem. Fez-me lembrar de um processo que encontrei devolvido pelo Egrégio Tribunal de Justiça, no ano de 1986, cujo ajuizamento se deu em 1876, para dirimir uma disputa indenizatória, envolvendo dois Carpinteiros, - um, o autor de uma engenhoca, que facilitava a confecção dos móveis, contudo, seu empreendimento lhe custou as ultimas reservas financeiras e para sobreviver tomou emprestado um valor em dinheiro na mão de um colega de profissão, dando em garantia o depósito da bendita máquina, que não poderia ser manipulada enquanto o devedor estivesse adimplindo com a sua obrigação, contudo, fora usada indevidamente pelo financista, ganhando muito dinheiro, vez que o equipamento deu maior velocidade para a sua indústria. No acerto de contas, o inventor pediu uma indenização ao financista pelo uso não permitido do invento, e que fosse deduzido do seu débito financeiro restante, o lucro obtido pelo seu credor. Pois é, durou a demanda 110 anos. Não observei se houve sentença. Provavelmente não. Todos haviam morrido, – partes, advogados e juízes. Este é o nosso país, este é o homem que se diz obra da criação divina.
Para não me estressar ainda mais, e enfartar, falo de coisa boa, do ultimo livro que lancei, com sucesso: – “Cronicidade” e do CD “Besame Mucho”. Estão perfeitos. Seguem em anexo. O primeiro, composto com 72 crônicas e o segundo 18 boleros inesquecíveis, interpretados por este que te escreve.
Felizmente, a literatura e a musica são legados dos deuses do Olimpo de nossas consciências intelectualizadas, aos poucos privilegiados, que são - os que produzem; os que leem e os que ouvem. Agora, vou deitar-me à sombra de um cajueiro, ouvir os poucos pássaros canoros que restam em nossas matas não muito virgens, mas que tentamos conservá-las, no pequeno rancho construído com os parcos recursos advindos de muita labuta. Quando puder, dê um abraço neste mar que banha as praias desta cidade de São Salvador da Bahia, por onde passeamos em nossa juventude, fonte de inúmeras poesias. Saudade de Itapoã.
Um grande abraço, do amigo,
Milton.
PS. Do Livro CARTAS NÃO REMETIDAS.
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