segunda-feira, 28 de maio de 2012
UM FELIZ ENCONTRO
“Eu daria tudo que tivesse, pra voltar aos tempos de criança. Eu não sei por que a gente cresce se não sai de mim esta lembrança. Aos domingos missa na Matriz, na cidadezinha onde eu nasci..., jogos de botão sobre a calçada”. - Aí está um trecho da letra de uma música do grande Ataulfo Alves, compositor, dos melhores do nosso cancioneiro, homem íntegro, elegante, humilde, apesar da sua grandiosidade, no cenário artístico de nosso país, que tive o prazer de conhecer no Café Nice, na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, na década de 60, nas minhas idas à Rádio Nacional, antes da ditadura de 64.
Lembrei-me desta música, por ocasião de um encontro não programado, ocasional, quando estive na capela do Dom Pedro, para a despedida de mais um amigo, que nos deixa e vai, segundo se apregoa, – para um mundo melhor. A afirmação se prende ao fato de estarmos vivenciando uma época de conflitos, de negação da amizade, do respeito humano, da solidariedade, com a prosperidade da canalhice e do mau-caratismo.
Tive a felicidade de me encontrar, em companhia do amigo Zé Coió, com um cidadão de bem, de caráter irretorquível e de uma simplicidade, própria dos que vencem por mérito pessoal e honradez absoluta. Jaime Cunha, que veio de Santa Bárbara, para esta cidade de Nossa Senhora Santana, para prosperar e colaborar com o crescimento da Princesa do Sertão. Lembramos-nos de nossa infância, de nossas andanças e dos nossos jogos de botão, que não eram na calçada, mas, nas mesas de nossas casas e das casas dos amigos. Fazíamos os nossos próprios botões, com pedaços de casca de coco seco, carcaça de bateria de carro, botões de roupa e outras bugigangas, servindo de bola o botão pequeno das camisas. A trave, fazíamos de arame ou de pedaços de madeira, e o goleiro era uma caixa de fósforos com areia dentro, para dar maior sustentação para a defesa. Cada time era composto de dez jogadores, representados pelos botões, acrescentando-se o goleiro, formando 11 competidores, de cada lado. Colocávamos o símbolo do time de nossa preferência, normalmente representados por times de futebol do Rio de Janeiro, a exemplo do Vasco, Flamengo, Botafogo e Fluminense. Seguíamos em disputas, com o critério de quem perde sai para dar lugar a nova disputa com outro time, permanecendo sempre o vencedor, sendo campeão, o que acumulasse maior número de vitórias. Não me lembro, de haver algum dia, em que os ânimos tenham se acirrado, entre os competidores. Havia amizade e respeito mútuo. São decorridos mais de cinquenta anos passados. Durante vinte anos, estive ausente de nossa cidade. Retornei há trinta e dois anos, e, embora morando no mesmo Município, somente nos encontramos para uma conversa, depois de quarenta anos, revivendo um tempo que, infelizmente, não volta nunca mais.
“Que saudade da professorinha, que me ensinou o bê-a-bá... onde andará Mariazinha, meu primeiro amor, onde andará?”. (A. Alves).
Lamentavelmente, após a destruição dos Clubes Sociais, onde as famílias se encontravam, e, com a deformação do nível cultural, nós, civilizados, só nos encontramos em féretros. Estamos ilhados em nossas casas, reduzidos ao âmbito familiar, aculturados e com medo do vizinho, que não conhecemos. Foi um feliz encontro.
Feira de Santana, mês de maio de 2012.
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