domingo, 13 de novembro de 2011

CARTAS NÃO REMETIDAS

Rio de Janeiro, setembro de 1963.

Querido Irmão,

Há alguns meses me mudei para o Flamengo, bairro da Zona Sul, que fica depois do Bairro da Glória e antes do Bairro de Botafogo, com destino ao túnel do tempo que é o chamado Túnel Novo, por onde se chega ao ainda nobre Bairro de Copacabana, onde tudo acontece, desde o mundo maravilhoso das artes, do belo, da música, do Teatro, aos inferninhos das prostitutas, bichas e lésbicas. Aqui se vive a experiência dos contrastes não vividos nas cidades do interior, de famílias tradicionais e das coisas ocultas, que a moralidade desconhece. Aqui é o limite entre o moral e o imoral, entre o presente e o futuro que o passado não aceita, mas que é a verdade nua e crua de uma mudança dos costumes, já cantados por civilizações antigas, tipo Sodoma e Gomorra. Tem também o lado maravilhoso dos sonhos por realizar. Mas, vamos falar de saudade. Hoje acordei com a lembrança de nossos tempos vividos em Salvador, esta capital que abriga poetas versejando pelas madrugadas em noites de serestas, no silencio das madrugadas, quando se calam os bondes e as marinetes no vai e vem infernal. Então me lembrei do Colégio Central, onde você estudava, e da Pensão de Bonifácio, que lhe hospedava, ali, na transversal entre o Relógio de São Pedro e a Avenida Joana Angélica. Lembrei-me, também, da Caserna, do Quartel do Barbalho, quando você prestou o serviço militar no glorioso Exército Brasileiro enquanto eu era incorporado à Força Aérea. Seu amigo e colega de farda, Evandro, amante da poesia, dizendo versos de AUGUSTO DOS ANJOS, nas noitadas da Mouraria, em memoráveis serenatas, não posso esquecer.
Lembro-me de uma delas, de difícil entendimento, mas de beleza incomensurável:
Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
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Sobre o Poeta: Augusto dos Anjos
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Paraíba, 20 de abril de 1884 - Leopoldina, Minas Gerais, 12 de novembro de 1914), poeta brasileiro. Foi Advogado e morreu vítima de tuberculose, desiludido, e seu único livro publicado pós-morte, foi - EU E OUTRAS POESIAS, apesar de ser considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa.


Fico por aqui.
Um grande abraço, a todos.
Com muita saudade, me despeço,
Do mano, Milton.
Do Livro “CARTAS NÃO REMETIDAS”.