quinta-feira, 24 de novembro de 2011

SOBRE A HONRA

De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.

Rui Barbosa

NÃO TENHO VERGONHA DE SER HONESTO. TENHO VERGONHA DE VIVER NUMA SOCIEDADE COMPOSTA COM TANTOS DESONESTOS,TENDO QUE CONVIVER COM ELES E AINDA CUMPRIMENTÁ-LOS.

MILTON

domingo, 13 de novembro de 2011

CARTAS NÃO REMETIDAS

Rio de Janeiro, setembro de 1963.

Querido Irmão,

Há alguns meses me mudei para o Flamengo, bairro da Zona Sul, que fica depois do Bairro da Glória e antes do Bairro de Botafogo, com destino ao túnel do tempo que é o chamado Túnel Novo, por onde se chega ao ainda nobre Bairro de Copacabana, onde tudo acontece, desde o mundo maravilhoso das artes, do belo, da música, do Teatro, aos inferninhos das prostitutas, bichas e lésbicas. Aqui se vive a experiência dos contrastes não vividos nas cidades do interior, de famílias tradicionais e das coisas ocultas, que a moralidade desconhece. Aqui é o limite entre o moral e o imoral, entre o presente e o futuro que o passado não aceita, mas que é a verdade nua e crua de uma mudança dos costumes, já cantados por civilizações antigas, tipo Sodoma e Gomorra. Tem também o lado maravilhoso dos sonhos por realizar. Mas, vamos falar de saudade. Hoje acordei com a lembrança de nossos tempos vividos em Salvador, esta capital que abriga poetas versejando pelas madrugadas em noites de serestas, no silencio das madrugadas, quando se calam os bondes e as marinetes no vai e vem infernal. Então me lembrei do Colégio Central, onde você estudava, e da Pensão de Bonifácio, que lhe hospedava, ali, na transversal entre o Relógio de São Pedro e a Avenida Joana Angélica. Lembrei-me, também, da Caserna, do Quartel do Barbalho, quando você prestou o serviço militar no glorioso Exército Brasileiro enquanto eu era incorporado à Força Aérea. Seu amigo e colega de farda, Evandro, amante da poesia, dizendo versos de AUGUSTO DOS ANJOS, nas noitadas da Mouraria, em memoráveis serenatas, não posso esquecer.
Lembro-me de uma delas, de difícil entendimento, mas de beleza incomensurável:
Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
........................................................................
Sobre o Poeta: Augusto dos Anjos
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Paraíba, 20 de abril de 1884 - Leopoldina, Minas Gerais, 12 de novembro de 1914), poeta brasileiro. Foi Advogado e morreu vítima de tuberculose, desiludido, e seu único livro publicado pós-morte, foi - EU E OUTRAS POESIAS, apesar de ser considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa.


Fico por aqui.
Um grande abraço, a todos.
Com muita saudade, me despeço,
Do mano, Milton.
Do Livro “CARTAS NÃO REMETIDAS”.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CARTAS NÃO REMETIDAS -Verão de 1964

Rio de Janeiro, Verão, de 1964.



Caro amigo, Dida,


Como diz o poeta – “Faz silêncio, mas eu canto”.

Aqui, depois da instalação da ditadura militar, o que mais existe é o temor de uma reunião e de um bom papo, vez que, o encontro de mais de três, é complô, é atividade subversiva, tanto é que até os bares, boates e restaurantes onde se encontram vários amigos, são constantemente vigiados. Retomei os meus estudos e pratico Yoga com Caio Miranda, um dos mestres mais respeitados nesta arte do Himalaia, exercitando a mente e o corpo, dentro dos princípios da “men sana in corpore sano”. Pela manhã estudo Francês na Maison de France e à tarde Filosofia, além de freqüentar o Conservatório de Música do Estado da Guanabara. A Livraria Ivanov que ficava na Rua Senador Dantas, próximo do Tabuleiro da Baiana, foi fechada pelo DOPS, considerada antro de subversão. Passei a freqüentar os “Sebos” que são livrarias que negociam livros usados, deixados, via de regra, por algum intelectual, que a viúva se queixava do mesmo tê-la trocado pelo prazer da leitura e por isto os vende no primeiro momento, o que é muito bom, porque encontramos obras raras e edições esgotadas. Tenho lido os poetas brasileiros e, gradativamente, vou remeter algumas poesias para o deleite do amigo, mesmo porque sei da dificuldade que é a aquisição de livros, aí em nossa cidade, de raríssimas livrarias, que se atêm aos didáticos. Quanto à música, continuo no Michel e no Le Rond Point, na Rua Fernando Mendes, em Copacabana, enquanto Rildo Hora e Altemar Dutra fazem o intervalo de Helena de Lima, na Boate Cangaceiro, que fica na mesma Rua, e nos encontramos sempre no final da noite, pela madrugada para amanhecer o dia tocando violão e cantando na Av. Atlântica, com o barulho do mar batendo na praia ao sol nascer. Gravamos o primeiro disco. Eu na RCA Victor e Altemar na Odeom. Acredito que ele fará mais sucesso, dado ao alto investimento da sua gravadora, mas vou batalhar. Meu único receio é meu envolvimento com a política estudantil e com a bajulação dos “Disques Jóqueis” que se há de fazer e eu sou contra, sem contar que tem que comprá-los ou gravar composições horríveis dos mesmos, senão não tem acesso na caitituagem ou no jabaculê.
Hoje conheci um grande poeta, sonetista dos maiores, que é professor do Colégio Pedro II, - J. G. DE ARAUJO JORGE. Vai um soneto dele:

OS VERSOS QUE TE DOU

Ouve estes versos que te dou,
eu os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de faze-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura
são versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escuta-los sem ninguém
que possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revive-los
nas lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.

(Poema de JG de Araújo Jorge
do livro "Meu Céu Interior" – 1934)
.................................

Um grande abraço, do amigo de sempre,

Milton.