domingo, 20 de junho de 2010
PIO NETO - UM SOBREVIVENTE
Pio Neto nasceu na zona rural no início do século XX, filho de pais semi-analfabetos, viveu por algum tempo sem os recursos que a cidade grande oferece, tais como a oportunidade para estudar e freqüentar um ambiente social, profissionalizando-se. Quando menino brincava com as pedrinhas e os gravetos que encontrava simulando uma criação de gado, currais, eqüinos, muares, galinhas, galos, patos e marrecos. Na fazenda onde morava não tinha energia elétrica, água encanada, telefone, e, por conseqüência não tinha rádio ou televisão. As notícias chegavam de boca em boca e a leitura, pouca, era através do almanaque publicado pelo laboratório que fabricava o “Biotônico Fontoura” (fortificante dado às crianças), que contava as histórias de Zeca Tatu, homem abatido, fraco, pelas verminoses, via de regra – lombrigas, e que ao tomar o fortificante abatia onças com as próprias mãos, cortava lenha com machado e carregava nos ombros, transformando-se em figura musculosa, forte, imbatível. Na adolescência Pio fabricava arapucas, alçapões e bodoques (atiradeiras feitas com uma forquilha, tiras de borracha de câmara de ar e um pedaço de couro), arremessando pedras para a caça de aves menores, assadas na brasa ou nas frigideiras, para comer no almoço ou no jantar. Ainda na adolescência trabalhava na roça ajudando na plantação de fumo, feijão, e a mandioca para o fabrico da farinha, do beiju, da puba e da tapioca, atividades de sustento da família, suplementando a atividade do patrono que criava e abatia gado para a venda na cidade. Ao completar vinte e um anos, emancipado, resolveu Pio ir para a cidade grande, cansado da atividade rural que não lhe dava muitas oportunidades para construir uma família. Com poucos recursos financeiros, restou-lhe a idéia de alugar um imóvel na cidade que escolheu, fazendo dali uma Pensão que lhe dava o sustento e o abrigo de forma cômoda para quem quer viver humildemente. Ali conheceu muitas pessoas, inclusive, influentes, que lhe ofertaram um emprego de fiscal do governo. Em um belo dia, a sorte resolveu premiar aquele homem com um bilhete da loteria federal, dando-lhe a ousadia de negociar com gado em grande escala, o que fez durante anos até que em meados do século, sendo fornecedor do governo federal, recebeu o calote motivado pela moratória de pós-guerra de 1945, que não criou, não participou ou foi responsável, mas foi vítima. Teve que começar tudo de novo. Viúvo, com três filhos para criar, buscou na alquimia através de livros que lia com o pouco estudo que tinha, fórmulas de fabrico de vinhos e vinagres, que passou a fazê-los. Criou suas próprias marcas e saiu pela periferia da cidade, distritos e povoados, de diversos municípios vizinhos, até que pôde comprar uma pequena caminhonete para o transporte da mercadoria. Quando retornava de suas viagens, trazia carnes e caças que adquiria nas feiras livres para alimentar a família. Fato inusitado ocorreu quando teve que enfrentar a concorrência desleal de grandes marcas. Pio produzia vinho de jurubeba e conhaque de boa qualidade, mas no mercado, levado pela força da propaganda, a jurubeba preferida era a “Leão do Norte” e o conhaque era o de “Alcatrão de São João da Barra”. Ameaçado pela concorrência, já que os seus produtos eram similares aos de marca, não tendo como competir com a ostentação das multinacionais, com os produtos preteridos, foi obrigado ao artifício, mandando fazer na grande metrópole rótulos, gargantilhas e selos das marcas famosas e, clandestinamente passou a vender o que a clientela exigia por força da propaganda, o que fez pelas circunstancias adversas e pela necessidade de sobreviver, até que lhe permitisse a vida, novas oportunidades, que não teve, vez que não lhe deram estudo e profissão digna. Teve Pio outros momentos que não durou, vez que, ao se estruturar como empresário de bom porte, obrigou-se à excessiva tributação e encargos trabalhistas, que se somou à conivência de um contador desonesto que o levou a falência. Morreu Pio alguns anos depois aos sessenta e quatro anos de idade, deixando prole conturbada, com algumas exceções, e uma mulher egoísta que não soube viver em harmonia com os seus, falecendo na solidão dos que não amam, até porque sempre pregou que “cada um deve viver no seu cantinho”.
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