sábado, 2 de agosto de 2014
O RETORNO
Mariazinha era uma garota bonita, nascida de um casal de classe média, a mãe professora do ensino fundamental, no município de Lajedo, e o pai comerciário, escriturário de uma loja de tecidos. Residiam em uma casa humilde, com o conforto permitido, para os que se encontram na classe social mediana. Aos l3 anos, estudando em colégio público, foi eleita em concurso de beleza de adolescente, a garota mais bonita da escola. Aos quinze anos, participando das festividades de debutantes, no Clube da cidade, mais uma vez se destacou com a sua beleza, indo para o noticiário escolar e do pequeno jornal municipal. Aos 17 anos concluiu o ensino fundamental e se preparava para o vestibular na Universidade pública, que havia, na cidade vizinha, onde residiria em casa de uma tia materna, professora universitária. Submeteu-se ao exame e foi aprovada para cursar pedagogia. Mudou-se, despedindo dos pais, que, embora tristes, sabiam que todos tinham que seguir o seu caminho. Em Santana dos Olhos D’Água, já acomodada e aclimatada, deu início à sua vida acadêmica, onde conheceu muitos rapazes e moças. Em um determinado momento, inevitável, conheceu Artur, rapaz afeiçoado, que cursava contabilidade, muito simpático, de conversa fácil, assumindo um namoro, que interromperia o seu projeto de vida que havia traçado, vez que, em poucos meses, tendo um relacionamento mais próximo, engravidou, culminando com um casamento que pensava satisfatório. Diante de tal situação, interrompeu o curso universitário, o que não ocorreu, com o marido, que após a formatura, cheio de vaidade, iniciou atividade social isolada, deixando Mariazinha a cuidar do filho, que crescia com bons princípios ministrados pela mãe, com o auxílio da tia, que sempre lhe visitava em sua casa modesta, no bairro das Cajazeiras. Em meio à atividade social, que levava Artur, ele conheceu uma mulher, viúva, com situação financeira definida e não pensou duas vezes, deixou a esposa com o filho, indo morar com a nova conquista, na capital do Estado. Mariazinha, ainda jovem e muito bonita, buscou um emprego no comércio, para se sustentar junto com o seu filho, que crescia, com inteligência aguçada, o que lhe permitiu, nos anos seguintes, após aprovação no vestibular de medicina, concluir o curso com louvor, indo fazer residência médica no Hospital Geral, na Capital, e a seguir, especialização na Alemanha, Doutorado na Bélgica, retornando ao Brasil, para montar a sua Clínica, trabalhar no Hospital local e lecionar na Universidade. Neste interregno, é bom lembrar que Mariazinha, propiciou esta condição ao filho, em consequência de haver se apaixonado pelo patrão, homem muito rico, que reconheceu como seu, o filho de Mariazinha, o agora famoso Dr. Roberto.
Naquele momento, todos vivendo na mesma cidade, estavam felizes. Não tinham notícia de Artur, que após abandonar esposa e filho, seguiu em aventura com a viúva rica, que não soube administrar os bens e em desespero, rompeu a sua união com Artur, já velho, descuidado da profissão, doente, e abandonado.
Mariazinha, em sua prosperidade, feliz, resolveu se dedicar a atividade filantrópica, visitando abrigos e instituições de caridade, dando ajuda financeira e assistência pessoal, preferindo o Abrigo dos Velhos, onde passava as manhãs, distribuindo carinho e afetividade, aos idosos abandonados pelos familiares.
Um belo dia convidou o seu filho, Dr. Roberto, para uma visita que faria na sexta-feira ao Abrigo dos Velhos, pedindo-lhe que lhes dessem assistência médica, no que concordou o doutor. Não sabia que naquele dia, estava preparada uma surpresa, dessa que a vida reserva para nos ensinar a viver melhor e amar o próximo, sabendo que o destino estabelece a lei do retorno, aplicada à maioria das vezes, a todos nós.
Em lá chegando, Mariazinha notou a presença de um idoso que se prostrava, quedado em uma cama, com poucos movimentos, reconhecendo aquele rosto, que embora envelhecido, não lhe era estranho. Aproximou-se e disse – Artur? – Ele levantou a cabeça e triste chorou. Ela, puxando o filho pelo braço, disse-lhe – aqui meu filho, este é seu pai. Choraram todos. Daquele dia em diante, Mariazinha, seu companheiro e Dr. Roberto, com altivez e altruísmo, passaram a cuidar de Artur, dando-lhe uma casa, disponibilizando uma enfermeira, para cuidar daquele que a ingratidão, madrasta da consciência, muitas vezes não permite a benevolência, diante da severa lei do retorno, reservada a todos.
Feira de Santana, 30 de março de 2014.
DAURI (HISTÓRIAS QUE O RIO NÃO CONTOU)
O Rio de Janeiro é uma cidade mágica. Nela você encontra maravilhas, sonhos, alegrias, tristezas e o caos. Pessoas que se aproximam, que se distanciam, que se amam e se odeiam, que se buscam e se perdem, a cada década, a cada ano, a cada mês, a cada dia. Neste vai e vem, criou-se o mito da divisão territorial que caracterizam as pessoas, como sendo da zona sul e as do subúrbio (zona norte). O marco divisório é o “Túnel Novo” de Copacabana. É como se você atravessasse o túnel do tempo. Antes dele, uma cidade que trabalha, com princípios familiares rígidos, com religiosidade, clubes sociais, colégios tradicionais, namoro e casamento. Após, (zona sul) a vida noturna, a boemia, a orgia e a libertinagem. Dizem os moradores mais antigos, da década de 30, que este fenômeno aconteceu, depois que Filinto Muler, Chefe de Polícia do Rio, no Governo Vargas, à época da Capital da República, quando da Revolução de 30, nos anos seguintes, fechou o “Mangue”, que ficava nas imediações da Praça Onze, provocando o deslocamento do baixo meretrício para a Zona Sul, mais especificamente, para Copacabana. Verdade é, que, da noite para o dia, esta região se transformou no polo artístico e boêmio, de lindas mulheres noturnas, que atraíam pessoas de todo o país e do mundo. Para ali aportavam, ricos empresários, políticos, comandantes e marinheiros, mesclando com a intelectualidade, que a tudo assistia e registrava. Em meio às luzes da ribalta, surge, Dalri, vinda de algum lugar do subúrbio, para as noites cariocas. Mulher belíssima, morena, com 1,80 metros de altura, de corpo escultural e semblante calmo, a espalhar o desejo da sua companhia, mesmo que fosse para um simples jantar. Vivíamos o final dos anos 50, início dos anos 60. Copacabana tinha as melhores casas noturnas, com show ao vivo, com o desfile do melhor elenco de cantores, cantoras e músicos, para os frequentadores da mais alta classe social, que transitava entre a intelectualidade, a polis, damas e meretrizes. Dalri foi uma delas, mas, com muita elegância e discrição. Por ter frequentado várias boates, conheceu uma ex-proprietária de casa noturna, com uma agenda, registrando inúmeros senhores abastados, que lhe remunerava regiamente, em troca de apresentações de belas mulheres. A conhecida “cafetina”. Dentre os clientes, havia um alemão, rico empresário, que uma vez por mês, promovia um jantar para políticos influentes, nos melhores restaurantes de Copacabana, levando em sua companhia a colossal Dalri, que se portava como uma Lady, embora, disfarçadamente passasse o seu cartão com telefone, para alguns escolhidos, deixando a sua agenda repleta, no decorrer da semana, tudo controlado pela cafetina, que, com as comissões recebidas, mantinha um duplex na Avenida Atlântica, por onde desfilavam, Dayse, Margot, Marli, Suely, Vivian, Mayra e tantas outras beldades. Dalry não assumia nenhum compromisso sério, não queria se prender a compromissos caseiros, muito menos a possibilidade de ter sua própria prole. Morena, dessas que parece que o tempo não passa, continuava belíssima, deslumbrante e desejada. Inúmeras conquistas, dia a dia, distribuía prazer independente de idade, só não se imiscuindo com pessoas do mesmo sexo, por uma questão de opção. Preferia os homens. Diferente de sua irmã, Eleusa, que frequentava todos os ambientes noturnos, inclusive o L’Ètoile, boate eminentemente preferida das lésbicas. Dalry, era ímpar na elegância, no vestir, no caminhar, mantendo-se em silêncio, quando este era imposto por conveniência e de poucas palavras, apenas para concordar com interlocuções. A sua juventude parecia perene, até que no final da década de 70, resolveu ir para a Alemanha em companhia de um empresário que lhe acolheu e nunca mais foi vista em Copacabana, território já cansado e distanciado da boemia, das noites de festas e muita alegria.
Levaram Dalry, como levaram os sonhos das noites cariocas, que a aculturação implantada se encarregou de destruir. Não mais o chope gelado, a Taberna da Glória, o Llamas, o Le Rond Point, o Scoth Bar, Fiorentina, Michel, Cangaceiro, Alcazar, Jirau. Resta agora um retrato desbotado, na parede do quarto, de quem a amou e desejou como sua, aquele monumento insuperável de mulher.
Feira de Santana, 30 de março de 2014.
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