quarta-feira, 18 de julho de 2012

A PRAÇA

“A Praça é do povo como o céu é do condor”. Vaticinava o Poeta dos Escravos, quando a praça era realmente um espaço público para encontros, reuniões, apresentações de retretas, filarmônicas e orquestras, para o lazer de seres civilizados. Veio outro poeta apaixonado e escreve: “... A mesma Praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim...” e se transforma em canto que encanta os enamorados e o povo de modo geral, independente da polêmica da autoria dos versos e da canção. Na Praça Padre Ovídio ganhei o meu primeiro beijo na boca e sonhei durante semanas com a nova sensação de me saber amado por uma bela mulher de lábios ardentes. Na Praça da Matriz, assisti a musicalidade de filarmônicas que desfilavam e se apresentavam no Coreto, com dobrados e composições populares para o deleite de casais e famílias sentadas ao derredor, enquanto os jovens em paqueras soltavam beijos, jogavam serpentinas e confetes, durante as festas de Santana. Na Praça Froes da Mota, brinquei de esconder, chicotinho queimado e boca de forno, soltei pipas, troquei juras de amor e perambulei nos recreios matinais. Ali também fiz serenatas para a conquista que não se deu, porque o cavaleiro elegante e rico levou a princesa de um castelo que não construi. Na Praça Serzedelo Correia sentado ao banco busquei nas páginas do Jornal do Brasil o apartamento em Copacabana, para alugar, enquanto me separava da segunda mulher, que me flagrou com outra. Na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, fiz a minha ultima apresentação musical e encerrei a minha carreira artística, por força da ditadura militar de 64. Na Praça da República, em Belo Horizonte, por manifestação estudantil, tive suspensa a aula de estágio no curso de Direito da Universidade Católica de Minas Gerais. Enfim, a Praça de tantos encontros e desencontros, não mais existe. Restou a Praça como ponto de encontro de prostitutas, travestis, transexuais, traficantes e consumidores de drogas, bandidos e proxenetas, marginais de toda espécie, por onde não pode mais transitar o cidadão ou a cidadã. A Praça Padre Ovídio não tinha grades. Era uma área livre que combinava com a liberdade de seu povo na década de 50. Praças de ontem. A Praça de hoje nem a saudade por ali moreja, servindo apenas de abrigo de muitas incertezas. Pobre de nós, enjaulados e confinados em nossas próprias residências com cercas elétricas e monitoradas por empresas de segurança para minimizar o ataque feroz e impiedoso dos malfeitores que o Estado cria e alimenta. Triste Bahia! Triste Brasil! Feira, 15 de junho de 2012.